Sinto desapontá-lo, mas a tal meritocracia não existe.
Em um país com um elevado índice de desigualdade social, falar sobre a existência da meritocracia é como acreditar no mundo utópico de Platão. Ela só existe no mundo das ideias, meu amigo!
O porquê dessa afirmação?
Porque algumas pessoas têm privilégios. Outras não tem.
Porque algumas pessoas têm acesso à educação de qualidade. Outras não tem.
Porque algumas pessoas têm um ótimo poder aquisitivo. Outras não tem.
Porque algumas pessoas não são julgadas pela cor da sua pele. Outras são (julgadas, perseguidas e condenadas).
Em um post que viralizou na internet, o publicitário Felipe Silva retrata com louvor quão ilusória é essa tal meritocracia. E até mesmo fora da internet, aqui no dia-a-dia mesmo, a gente percebe que o pensamento meritocrata de que “o trabalho liberta o homem” não soa muito bem na vida real, na vida dura de quem trabalha mais e ganha menos, de quem mora na favela ou em bairros suburbanos, sem muitas oportunidades e sustenta essa pirâmide social nas costas. Mas isso não impede a humanidade de seguir em frente não é mesmo? Quando 1% da população mundial concentra metade de toda a riqueza do planeta , fica difícil engolir esse discurso de “direito, justiça e Igualdade meritocrata”.
Nossa constituição diz que todo cidadão tem direito a educação, a saúde, a alimentação, ao trabalho, a moradia, ao transporte, ao lazer, a segurança… Na teoria isso é lindo, mas e na prática? Ter direito é uma coisa, exerce-lo é outra.
Justiça. Na atual situação do nosso país vê-se que justiça não é o nosso forte. Ela só é válida aos pobres. Aos magnatas, mensaleiros, doleiros… tornozeleiras, só para dizer que não ficaram impunes.
Igualdade. Você sabe o nome da copeira assim como sabe o nome do presidente da empresa na qual trabalha? Homens e mulheres são iguais perante a constituição, mas você, mulher, ganha o mesmo que ele?
É tudo uma alegoria, então fuja dessa caverna enquanto há tempo!
Aceitamos a realidade do mundo no qual estamos presentes. E nossos mundos são diferentes. Você – da zona sul- não conhece a realidade do morro. É como se vivêssemos presos em um show de truman, fadados a crer que todo esse mundo de “Um país de todos, justo e sem pobreza” seja real, mas não é. Não é e você sabe. Não frequentamos os mesmos shoppings, não temos o mesmo padrão de vida, educação e saúde. É difícil acreditar em meritocracia quando as ruas da cidade servem de abrigo para muitas pessoas. Seria isso mérito deles?
“Quer dizer então que tudo o que eu conquistei até hoje não é mérito meu?”
Sim, é mérito seu – e parabéns-, não estou jogando suas vitórias no lixo, mas elas são provenientes de certos privilégios da sua vida social, condições socioeconômicas e acesso a bens e serviços de uma determinada classe. Estou errada?
Um caso muito recente -e claro – de tudo isso tem nome e sobrenome: Lorrayne Isidoro. Moradora da favela, estudante de escola pública e vinda de família humilde. Ela é vencedora da Olimpíada Brasileira de Neurociência, hoje está representando o Brasil na etapa na Internacional na Dinamarca, mas enfrentou problemas para obter a passagem e o dinheiro. Lorrayne só viajou porque conseguiu a verba em um financiamento coletivo na internet. Já a vencedora do ano passado, moradora de um bairro descente, classe média, estudante de uma das melhores escolas privadas de São Paulo não enfrentou os mesmos perrengues que Lorrayne. Duas Pessoas com realidades diferentes e ambas obtiveram reconhecimento em uma mesma competição. Privilégio? Claro! As duas tem culpa? Não!
A revista Fórum publicou alguns quadrinhos de um ilustrador australiano que mostra muito bem como a ideia de que as pessoas têm as mesmas oportunidades não é verdadeira.
Independente do esforço, haverá sempre um vasto mecanismo de desigualdade que vai minar as oportunidades dos menos favorecidos. Cabe a você ser um Felipe Silva, uma Lorrayne Isidoro, um guerreiro com causa.
O mundo não para devido as suas quedas, ele continua girando, então levanta sacode a poeira e dá a volta por cima!
Josiany Lima é jornalista e curiosa. Escreve para sites na internet e atua na ONG Teto Brasil. Estuda Marketing e é autora de livros infanto-juvenis.